domingo, 13 de fevereiro de 2011

TRAVESSIA CRISTA-TARTARUGA

Bom galera, apesar da demora, saiu. Já que o Ramon me passou a bola, aqui estou escrevendo este relato da nossa úmida travessia. Ou devo dizer molhada... encharcada... submersa... bom, qualquer um destes termos vem ao caso, pois com 75mm de chuva qualquer caminhada se torna um raffiting. É só tirar a mochila das costas e subir nela com um galho como remo (sente a imaginação), seguindo o pesado fluxo que vinha montanha abaixo transfornando a trilha num riacho. Só pra iniciarmos a subida do Monte Crista as 22:00h do dia 19/01/2011 ja tivemos que atravessar o rio Três Barras cheio. Quando vi o Ramon tentando se equilibrar com água quase no pescoço e o mochilão nas costas, só podia pensar: não cai não. Minha preocupação passou quando vi que ele já estava num local mais raso, mas ai pensei que estava chegando a minha vez. Escolhi um outro ponto pra atravessar, pois se ali ele já estava com água naquele nível, com certeza a correnteza iria me cobrir. Passei com água no peito e já do outro lado percebi que tínhamos entrado numa ratoeira. Com a chuva, o rio aumentaria de nível em poucos minutos, deixando-nos sem opção a não ser subir. Não tinha mais volta. E mesmo que tivesse...

Com poucos minutos de subida, despencou a chuva de vez. Das oito vezes que subi o Crista, nenhuma tinha chovido. Nesta, choveu por todas. E assim foi até o final, chovendo e parando, chovendo e parando... isto nos manteve num bom ritmo porque não dava pra parar, esfriávamos muito rápido. Quando chegamos ao platô do cume, onde fica o Vigia, o céu se abriu e Cruzeiro do Sul veio nos saudar junto com a Lua. Uma saudação rápida, pois logo o céu se fechou e dá-lhe água. Até ai o Ramon vinha sofrendo com cãimbras nas panturilhas, mas atingimos nossa primeira área de acampamento as 6:00h, um tempo considerável. Percorrer quase nove quilometros nestas condições, morro acima, em 8h mostrou que estavámos preparados para enfrentar o que viria. Bivacamos em um abrigo embaixo da pedra e as 7:30h ja estávamos com as mochilas nas costas de novo, indo em direção à Pedra do Lagarto. Nosso objetivo era alcançar a Pedra da Tartaruga. Sabíamos que seria difícil progredir com a densa neblina que se formou naquela manhã, mas conhecíamos bem o caminho até a Pedra do Lagarto e, com a carta topográfica e a bussola nas mãos, nossa esperança era que durante o dia o tempo melhorasse. A previsão conspirava ao nosso favor, dizendo que choveria só no sábado; mas a natureza nem sempre concorda com a previsão, que, diga-se de passagem, é bem imprevisível. Ao menos metade do caminho estava garantida. O que seria depois do Lagarto? Não víamos a hora de descobrir... Com a navegação prejudicada pela baixa visibilidade demos umas passadas um pouco fora da trilha. Não, muito fora. Totalmente fora. Por diversas vezes fomos obrigados a voltar o caminho, subir pirambeiras que tínhamos acabado de descer, parar, perder tempo... e chove e para e chove e para e chove e para... Mas a moral ficava sempre alta, um não deixava a peteca do outro cair, e dá-lhe trilha. Asfalto não faz falta não!

Um pouco depois de chegar ao Lagarto, caiu um toró que assustaria até Noé. Final de tarde, a gente sentado numa pedra, encolhido debaixo do poncho esperando, e dessa vez não para. Com menos de 50 metros de visão e o sol se pondo, não deu outra: acampamos ali mesmo. Foi só a chuva dar uma trégua pra armarmos as barracas rapidinho. Feito o rango, capote geral. Afinal dormimos só 1h, lembram? E se vocês pensam que foi uma boa noite de soninho gostoso... HA, quem me dera! Vento chacoalhando a barraca, goteira no saco de dormir... a barraca do Ramon alagou forte, molhou quase tudo. Mas o cansaço falou mais alto e pudemos dormir um pouco até amanhecer. Ficamos esperando a chuva parar. Já estava chovendo desde as 17:00h do dia anterior... pô, uma hora tinha que parar! As 9:00h pudemos sair do casulo e nos preparar pro ataque à Tartaruga. O plano era deixar o acampi montado e irmos leves, pra fazer um bate-volta no mesmo dia, carregando só o essencial nas mochilas. Agimos assim porque pensamos que estávamos perto, masssss... ela, a vilã, a implacável neblina mostraria que estávamos errados. Nosso horário de saída já foi tarde, e com esse erro de cálculo na distância, tivemos que improvisar na volta. Sorte que percebemos isso na ida e já iniciamos o racionamento de comida e água. Também escolhemos um local de abrigo no Morro da Antena, onde ficou decidido que iríamos pernoitar na volta da Tartaruga.
Fizemos outro rango, descanso pra digestão e partimos do Antena pra Tartaruga com ela, nossa onipresente amiga e companheira... a neblina! Larga de nóis mulé chata!!!!(desabafo). E outra vez saímos da trilha. Após andarmos por algum tempo em busca do quelônio desaparecido, envolto pelas brumas, chegamos a pensar que estávamos em cima dele. Já com o olho no relógio e no tempo, pois ainda tínhamos de retornar para o Antena, tiramos algumas fotos e fizemos uma filmagem com as bandeiras do Clube de Desbravadores Corujão e do Brasil, pensando termos encontrado o tal quelônio. Mas ainda não estávamos certos de tê-lo encontrado, visto que não enxergávamos quase nada a não ser uma parede branca de névoa em redor. Retornamos então para nosso abrigo improvisado (ah, seu eu pudesse contar o improviso...) para mais um rango e descanso merecido. Afinal, mesmo com a dúvida na cabeça se aquele local das fotos e filmagem era mesmo o Tartaruga, nós tínhamos nos esforçado no cumprimento da missão. Depois, estudando com calma o mapa, concluímos que realmente aquele não era o Tartaruga, mas dava de frente pra ele, e o chamamos de Tartaruguinha. Dali daria para avistá-lo, não fosse a densa névoa.

Na manhã seguinte, tudo estava diferente. O tempo tinha melhorado, apesar da neblina ainda estar presente, mas o sol despontava e nos acompanhava por onde íamos.Tipo aquela nuvem que seguia o carro da família Adams, só que ao contrario, sol na cabeça e neblina atrás. Isso já nos deu um grande ânimo, pois seria mais fácil avistar o acampamento base. Com pouca comida e sem outro local bom de abrigo, não podíamos nos dar ao luxo de errar. E assim foi: fizemos a trilha certa e de longe avistamos as barracas. No caminho pudemos desfrutar de um belo visual, já que nossa “amiga” resolveu nos seguir ao invés de nos cercar. E ainda fizemos contato de perto com um filhote de veado e depois com uma coruja branca, já no retorno ao Monte crista.

Desmontamos o acampi, equipamos as cargueiras e voltamos pelo mesmo caminho que viemos. Chegamos ao cume do Crista as 19:00 e iniciamos a descida. Caiu a noite e a chuva também, numa versão mais branda mas suficiente para encher o rio. Nossa preocupação era agora uma realidade: quando chegamos ao último riacho que cortava a montanha, ele havia se transformado num rio. Logo, o rio Três Barras estaria muito provavelmente instransponível. Como aquele era o ultimo local bom para acampamento, resolvemos montar a barraca as 22:00h na lateral da trilha. Ainda tive a manha de encarar um banho no rio, mas o Ramon passou um desodorante bem sem vergonha pra disfarçar e foi dormir (ah, desculpa, não era pra contar). Durante a noite recebemos a visita de algum animal, que ficou rondando a barraca, deixando suas pegadas de fellino em nosso entorno. Amanhecemos com nível do rio normal e concluímos nossa descida as 15:00h.
Posso dizer que essa aventura foi uma das mais pesadas, muito puxada fisicamente, mas uma das que menos senti. O tempo, a passada, o ritmo, tudo rendeu mais que o esperado, estávamos motivados pelo desafio (que não havia sido cumprido da outra vez que tentamos a mesma façanha) e estranhamente energizados. Ou devo dizer, divinamente energizados, pois com certeza, depois de tudo que enfrentamos, Aquele que tudo criou estava conosco.
Éramos como crianças no Seu quintal... e vamos voltar!




2 comentários:

  1. Muito boa história....vc escreve muito bem e parabéns pela empreitada.

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    1. Obrigado Jadson, quando quiser nos acompanhar será bem vindo! Temos uma página no face também, lá rolam todas as aventuras da galera:
      https://www.facebook.com/pages/Cachorro-do-Mato

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